Era dia 29 de dezembro de 2012 e os raios de sol haviam acabado de entrar pela vigia do veleiro vivre, e como de costume, foram buscar meu rosto, gosto de despertar assim! Levantei bem quietinho para não acordar ninguém antes de fazer o café, sempre que estamos passando alguns dias no vivre quem faz o café sou eu, também gosto desta tarefa.
- Pai, o que iremos fazer hoje, para onde vamos? - Perguntou o Willyan, meu filho mais velho, ainda com aquela cara típica de quem acabou de acordar e já com uma caneca de chocolate nas mãos.
- Ouvi falar de um barzinho muito legal que fica na praia do Soares, vamos para lá! Respondi. Se ele soubesse o que passaria neste dia, ele teria ficado em Caçapava na casa da vó!
A praia do Soares é uma pequena praia incrustada na costa de Ubatuba, só se chega lá de duas maneiras, de barco ou por trilha, carro e moto nem pensar, e tem como principais atrações as belezas naturais, a calma, que são a inspiração dos velejadores de cruzeiro (se é que posso me considerar um deles!), e o bar do Soares!
Todos já tinham tomado seu café, o barco estava em condições de velejar, louça lavada e guardada ,na verdade é tudo de plástico exceto as panelas e os talheres, o vento era fraquinho e eu icei as velas com a ajuda dos meninos, mestra e genoa, todo o pano em cima, dei partida no motor que não dava seguimento pois não estava engatado, sempre deixo o motor ligado alguns minutos antes de sair, aumenta a confiança no equipamento sabe? Dei a ordem para o Wallace, meu segundo filho.
- Pode soltar o barco, estamos prontos!
Engatei o motor que roncava aquele som monótono e o vivre seguiu lentamente, os meninos já me falaram que preferem ficar boiando a navegar com o motor, contudo, o motor ainda é parte importante do veleiro para mim, mais até do que as velas, já que elas me causavam um certo desconforto, e esse desconforto só iria aumentar dentro de algumas horas.
Desliguei o motor, assim que saímos da área onde as lanchas, veleiros e outros tipos de barco ficam amarrados em suas poitas lá no Saco da Ribeira. O Saco de Ribeira é um lugar fantástico, cheio de veleiros que se enxerga da estrada, tem até alguns mirantes na rodovia, quem olha lá de cima não consegue sentir o pulsar da vida entre os barcos, são famílias em seus botes passeando entre os barcos amarrados, marinheiros tentando ganhar a vida honestamente, as vezes nem tão honestamente, pequenos pecados são constantemente cometidos por alguns deles, coisas como usar materiais inferiores ao combinado, preços e prazos estourados, camuflagens perigosas de serviços mal feitos ou incompletos, essas coisinhas, lanchas partindo ao mar cheias de gente e música alta, tem também os pescadores em seus "toc tocs" e a turma do churrasco no veleiro, muita vida em muitos barcos! O vento estava fraco e velejamos preguiçosamente entre 1 e 2 nós, atravessamos assim a praia do flamengo e fomos em direção a ponta grande de onde já dava para enxergar a ilha do mar virado, que não tem esse nome a toa, e eu deveria ter me atentado a esse detalhe, como nosso destino estava longe e o vento fraco resolvi dar partida no motor e seguir a vela e a motor!
O veleiro estava entre a ilhota de fora e a laje dentro, aquele pedacinho de mar é cheio de lajes, em outra ocasião eu tracei a rota na carta náutica e o Willyan me pergunto porque motivo eu queria fazer o vivre atravessar a laje perdida:
- Pai, o senhor colocou rodas no vivre? Pois vai passar bem encima da laje perdida!
Eu disse que tinha traçado aquela linha para ver se ele estava esperto - Mas ele não caiu!
Pois bem, continuando, estávamos perto da ilha do mar virado, entre a ilhota de fora e a laje de dentro quando entrou uma rajada de vento que encontrou todas as velas em cima e um motor ligado em velocidade de cruzeiro, o vivre adernou mais do que eu gostaria e estava acostumado, a Lena minha esposa estava dentro da cabine com o Gabriel, meu terceiro filho, ela o agarrou e sentou com ele na cama de bombordo, enquanto as latas de mantimentos e as frutas se espalhavam pelo interior do veleiro como se estivesse em uma máquina de lavar roupa, o Gabriel na época com com dois anos, não entendia nada do que estava acontecendo, mas, talvez por sentir a tensão na maneira que a mãe o pegou e protegeu, começou a chorar, o Wallace que estava na proa do barco, meu primeiro erro, escorregou e foi parar no guarda mancebo, o Willyan estava ao meu lado no cockpit com a escota da genoa nas mãos como de costume. O barco adernado a ponto de que, quem olhasse da vigia só veria água, parecia que estávamos inclinados a 60 graus, o motor girando o hélice fora da água, e quando isso acontece aquele som monótono do motor se transforma em um rugido de um animal feroz, feroz e faminto, tudo isso aconteceu em questão de segundos, eu só queria que o barco voltasse pra uma posição confortável, então cometi o maior erro de todos, soltei a escota da mestra e com uma guinada na cana de leme aproei o barco para o vento, mandei o Willyan ir até a proa e ajudar o irmão a baixar a genoa, ele atendeu prontamente, mas como o mar não perdoa erros, em especial os erros idiotas, assim que ele levantou o vento rondou e encheu a vela mestra, vento forte, barco aproado ao vento e escota da mestra solta só poderia resultar em uma coisa, por sorte eu estava com a escota da mestra na mão e quando percebi o que ia acontecer cacei, puxei aquele cabo com toda a velocidade que meu braço permitia, mas não teve jeito, foi um TOC chocho e o menino caiu dentro do cockpit, a retranca tinha cruzado o cockpit e parado na cabeça do Willyan, por sorte, muita sorte, ele caiu dentro do barco, achei que ele tinha quebrado o nariz ou mesmo o crânio, e assim como a rajada de vento chegou, ela passou, só durou o suficiente para causar o acidente.
Quando o Willyan se levantou, tinha aquele olhar de quem esta confuso, de quem acabou de acordar de um pesadelo e percebe que esta na cama, desliguei o motor, e o Wallace, que na primeira oportunidade tinha pulado como um gato para dentro do cockpit, assumiu o leme e eu fui examinar a cabeça do marinheirinho ferido enquanto a Lena acalmava o Gabriel e tentava entender o que tinha acontecido, não achei nada além de um belo galo, tudo tinha sido apenas um susto, lição dada lição aprendida, imediatamente comecei a enumerar meus erros, que foram muitos e primários.
Nos próximos posts vou contar como, exatamente um ano depois, uma situação parecida aconteceu novamente, porém com um desfecho menos doloroso para a cabeça do Willyan e para meu ego!