terça-feira, 14 de abril de 2015

A VELEJADA DIVISORA DE ÁGUAS! PARTE 2

Como já escrevi no post anterior (se você não leu a primeira parte, clique aqui), partimos da ilha Anchieta bem cedinho, por volta das 6h da manhã, o objetivo era chegar até a Enseada de Ubatumirim, dormir lá e no domingo voltar direto para o saco da Ribeira, em Ubatuba de manhã quase nunca tem vento e o mar na maioria dos dias esta bem calmo, parado mesmo, nessas condições não tivemos alternativa a não ser ir motorando até que o vento resolvesse dar o ar da graça. Quando chegamos no través do Itaguá, resolvemos aproar para a praia do cedro. A praia do cedro era um objetivo desejado desde quando eu tinha o vivrinho, tentei ir lá por 2 ou 3 vezes mas nunca deu certo, a ideia era tomar um banho, comer alguma coisa, usar o banheiro do quiosque e continuar nossa travessia.

Se tem uma faina que eu ando fazendo corretamente é a ancoragem, desde que garramos (é quando o barco arrasta a âncora) lá na praia do Soares, decidi estudar bem o processo e até agora não garramos mais, não digo que não vá acontecer de novo, mas até agora esta dando certo.
A praia do Cedro é linda, tem um ar bem família, na parede do quiosque tem um belíssimo painel de fotos e notícias sobre os "colonizadores" da praia, fotos em preto e branco retratando crianças de 4 ou 5 anos que hoje são homens de 50 anos, quase um livro que conta a história do lugar, o pessoal do quiosque não tem frescura, os vistantes levam bebidas e petiscos e usam as mesas do quiosque sem neuras, chegamos na praia, usamos o banheiro, tomamos banho numa bica que tem por lá e ninguém falou nada de consumir, nem ficaram olhando de cara feia, claro que depois de usar as instalações do cara, comprei duas cervejinhas antes de zarpar rumo a Enseada de Ubatumirim, assim que puxamos a âncora, adivinha...
... o motor morreu, e não quis pegar de jeito nenhum, foi um puxa que puxa na cordinha do motor que quase fiquei sem braço, tinha um ventinho fraquinho que achei que dava pra tocar o barco, pedi para o Cadu ficar na proa atento a uma possível ordem de lançar a âncora novamente, estávamos perto demais da costa para correr algum risco, meu medo era pegar uma correnteza e acabar derivando para as pedras, enquanto o Cadu estava de olho nas pedras e pronto pra jogar âncora eu subi as velas para tentar aproveitar o ventinho de leste que soprava, regulei as velas para uma orça folgada e fomos nos distanciando da costa a 1 nó, pronto, já tinha ganhado o dia, não por conseguir tocar o barco no vento fraco, mas por controlar a situação, não fiquei preocupado nem por um minuto, nem pensei em retornar para a praia, minha prioridade era se afastar das pedras e da praia,e quando já estivéssemos safos trocar o motor.

Tenho dois motores, um de 5hp que toca o Vivre e outro de 3.5hp que toca o bote, quando estava na Ribeira usando o motorzinho para embarcar o Cadu e os mantimentos o motorzinho estava fraquinho, parecia afogado, se eu desse acelerador ele morria, achei estranho pois o motorzinho esta revisado, agora o motorzão passava pela mesma situação, só que não pegava mais, imediatamente suspeitei do combustível e lembrei que a porcentagem de etanol na gasolina aumentou e isso com toda certeza iria refletir no motor. Já tinham me falado para usar só a a tal da gasolina podium, que tem uma octanagem maior, mas eu achava exagero, pois bem, como os motores de popa não são flex, agora tem que usar a podium mesmo.

O Vivre já tinha se afastado bem da costa e até daria para baixar as velas e trocar o motor, mas lembrei que o pequeno também estava meio "borococho" e resolvi continuar à vela até o Itagua, onde tomaria as decisões sobre a situação, agora só importava chegar no ancoradouro, o problema é que teria que velejar de vento em popa e eu nunca consegui fazer isso direito, sempre que tentei as velas não armaram direito, o barco não rendeu, mas desta vez foi diferente, decidi que iria fazer direito e ai tudo mudou. Aproei o barco para nosso destino e imediatamente a mestra quis fazer um ângulo reto com o barco, mas cacei a escota e fui acertar a genoa, fui soltando o cabo e foi ai que tive uma epifania, consegui prever segundos antes que a vela iria fechar, foi como se a genoa tivesse me avisado por meio do seu comportamento o que estava prestes a fazer, percebi a vela como um todo, cada dobra, cada garruncho , finalmente havia entendido como funciona a vela, entendi que as fitinhas do senhor do bomfim presas nos estais são só um guia, mas quem determina o quando de escota se deve soltar é a vela, percebi que estava fazendo certo, sabia que estava aproveitando o vento da melhor maneira possível, pela primeira vez desde que coloquei os pés em um veleiro eu tinha certeza de que a vela estava no lugar certo, isso levou 3 anos, 3 longos anos, foi incrível, uma sensação de vitória inflou meu peito quase tanto quanto o vento inflava a vela e finalmente tive a impressão de voar, foi lindo, lindo de uma maneira que só eu pude perceber, só eu senti. Agora eu tinha que resolver a mestra, quando soltei a escota ela foi pro mesmo lado da genoa e eu resolvi este problema empurrando a retranca para o outro lado com a mão, depois disso fomos firme, forte e rápido até passar perto do Gaipava do comandante Ricardo e escolhermos um lugar para jogar o ferro.
Chegamos nos domínios do Gaipava

Jogamos o ferro bem perto do pier, e desembarquei para entender o que tinha acabado de acontecer, não cabia dentro de mim e o curto espaço do Vivre ficou pequeno para mim, isso e fui comprar cigarros também!

Quando voltei fui direto para o motor, desafoguei o danado e dei partida, pegou e morreu, então fui por partes, respondendo perguntas básicas:
Tem combustível? O combustível esta chegando no carburador? Tem faísca nas velas? Todas as respostas foram sim, então comecei a matutar um motivo para o motor afogar, pensei que se a gasolina tem mais etanol não deve estar explodindo conforme deveria, vou abrir um pouco a entrada de ar e ver como ele se comporta, voilà, acertei e o motor voltou a funcionar corretamente, mas já era tarde para prosseguirmos com nosso plano de ir até Ubatumirim, mas isso já não importava, eu estava em um outro nível de velejador agora, o destino não importava mais!

A noite foi chegando e o mar estava um espelho, sem vento e sem ondas, dormi como nunca tinha dormido com o barco na âncora, não havia percebido o quanto estava cansado por conta da noite anterior mal dormida, nem lembro o que sonhei naquela noite.

No domingo saímos do Itagua lá pelo meio dia e saímos com todo o pano em cima, eu estava ansioso para velejar de novo, dessa vez com vento contra, mas eu já sabia o que fazer, fomos até a ponta grossa em uma orça fechada a uma velocidade média de 2 nós, mas nem pensei em ligar o motor, queria velejar, queria me comunicar com as velas, acho que finalmente pari o velejador que eu gestei durante 3 anos. Assim que chegamos na "esquina" da ponta grossa aproamos para a ilha Anchieta e fomos até o boqueirão só na vela, depois disso ligamos o motor e chegamos na Ribeira motorando!

É isso ai gente, tem mais umas fotos que tiramos neste incrível passeio, vejam:
Eu bobão!

Praia do Cedro

Praia do Cedro

Itagua de noite

Ilha Anchieta

6 comentários :

  1. Bem vindo ao primeiro dia do resto de sua vida, VELEJADOR!!! Parabéns, é assim que se faz!!! E vá no pano mesmo!!!

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    1. Juca, sinto exatamente isso, mudou tudo na minha relação com o barco!

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  2. Grande Walnei,

    Muito bom o relato e a aventura, pretendo fazer o mesmo nesse feriado. Como a familia vai viajar vou dar umas bandas com um amigo, experimentando umas manobras e aperfeiçoando outras para ver no que dá.

    Abraços

    Jorge Dias

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  3. Que delícia de experiência que você acaba de viver. Fiquei feliz so de ler seu relato, sempre transparente e animado.
    Parabens pela conquista!
    Bons Ventos,
    Paulo

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  4. Aê Walnei!! Muito legal!!

    Velejar tem que ser divertido, como diz o Juca...e parece que foi mesmo!!

    abraço. E na próxima vez, quando vier na minha paróquia, vamos velejar juntos!! kkk

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  5. Grande comandante Walnei, gostaria de te convidar para o 5º Cruzeiro Tietê -Paraná 2015. ABVC .Interior . Venha fazer parte desta expedição da água doce . Sera uma grande honra recebe-lo em nossa cidade ,as margens do Rio Tietê.

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